Desde o fim de 1973 com a crise do petróleo os bancos acabaram com as facilidades financeiras. Na firma passei a cobrar dívidas dos importadores dos cestos e móveis em vime em vários países. A de maior volume era dum cliente nos Estados Unidos. Já nem atendiam os nossos telefonemas. Pedi ajuda ao Carlos Lameiro que, desde 1969, era o director da Casa de Portugal em Nova Iorque. A empresa continuava em funcionamento no Brooklyn, os nossos contactos estavam todos certos. Na família resolveram que o melhor era eu ir lá negociar um acordo, em vez de entregar o caso a um advogado que poderia demorar mais tempo.
Ir uma semana a Nova Iorque? Só tinha saído de Portugal com 16 anos para ir a Gotemburgo na Suécia acompanhar a minha Mãe na cirurgia a um aneurisma cerebral. Adorei essa viagem, correu tudo muito bem com a senhora e no regresso ainda ficámos uns dias em Londres, para visitar o meu irmão Ani e a mulher inglesa.
Estava também muito contente por ir rever o Carlos. Tínhamo-nos conhecido na Madeira em 1966 quando esteve a montar a Escola Hoteleira Basto Machado. Em 1967 ao tomar posse como Presidente da Delegação de Turismo da Madeira continuámos a encontrarmo-nos em Lisboa. Lembro bem os almoços no restaurante da Rua do Salitre. Amigo íntimo da minha irmã Teresa e da Maria Armanda Falcão, ficavam todos a olhar mal entrava ‘Sr. Arquitecto, a sua mesa está reservada na esplanada’. Eu vinha atrás impressionada com as duas, para mim pareciam mulheres fatais. Todos conheciam a Vera Lagoa, na altura jornalista do Diário Popular. A sua crónica ‘Bisbilhotices’ fazia tremer muitas pessoas, apesar da aparente liberalização do governo de Marcelo Caetano. Eu achava as duas tão interessantes: de personalidades fortes, por fora pareciam «mulheres difíceis», por dentro pessoas sensíveis e francas.
Os jantares no Hotel Eduardo VII eram memoráveis. O Carlos gozava comigo por ainda vestir à estudante, à Porfírios. Quando ia a Campo de Ourique ter com a minha irmã ele fazia questão de escolher alguma roupa para mim – vestido de seda decotado. E sapatos de salto. Sempre achei a Teresa muito bonita. Assim sentia-me melhor e ficava confiante a falar com os muitos convidados - das embaixadas, jornalistas, artistas. E ficava tão orgulhosa quando me vinha buscar para dançar yé-yé ou samba!
Em Janeiro de 1974 mal cheguei a New York fiquei completamente fascinada. Eu que na Madeira brincava de escandalizar as pessoas, meio às escondidas. Ali respirava-se liberdade. O hotel ficava perto da 5ª avenida e da rua 45, onde era a Casa de Portugal.
Mal dormida da viagem, andei quilómetros para baixo até Washington Square e depois subi tudo até ao Central Park. Devia parecer uma parva. Nunca tinha visto tanta gente nas ruas, tantos carros, tanta agitação. Só imaginava que se nós andássemos assim no Funchal, muitos carros iam bater! E além da bilhardice, íamos ser notícia na 1ª página do jornal. Estas fotografias são do site ‘Dirty Old 1970's New York City’. As imagens que recordo. Tive de ir a uma farmácia: os pés ficaram em sangue, cheios de bolhas.
No dia seguinte bem tentei negociar o acordo. Um armazém mal amanhado no Brooklyn, o nosso escritório no Funchal parecia um luxo comparado com aquilo. Mas o banco tinha dado boas referências. Pensando agora o cenário deveria ser cómico. Uma portuguesa de 23 anos a fazer-se de negociadora com uns judeus. A minha inexperiência com aqueles sabidões. Confirmei que tinham vendido tudo o que nos tinham comprado, mas só contavam desculpas do mercado estar em baixo. Acabei por dizer que tinha reunião com o advogado em Manhattan e só voltava à Madeira com tudo resolvido.
Nessa noite fui jantar com o querido amigo Carlos Lameiro e umas pessoas da Casa de Portugal. Primeiro encontro num bar da rua 45 e depois um restaurante brasileiro. E fiquei a saber do convite para ir ao teatro no dia seguinte. Tinha visto que na Broadway havia bons espectáculos, até a Aretha Franklin! Cansada e com uns copos, dormi muito bem.
Imaginam a minha cara a ver ‘Oh Calcutta’? Já tinha ouvido falar que o nome vinha de ‘O quel’cul tu as’. O certo é que estava completamente despreparada para ver tantos nus – mulheres e homens totalmente em pelota... O Carlos a princípio ria-se do meu espanto com algumas cenas. Hoje em dia falamos em vários géneros, ali havia de tudo e mais alguns. Depois entrei na onda e diverti-me imenso. Um espectáculo realmente fabuloso. Lindo!
Bom regressei a Portugal só com os dados suficientes para se pôr uma acção contra aquele cliente. Ainda fui ao Macy’s comprar uma saia indiana, uma calças justíssimas bocas de sino, um top sem costas, uma caixa de maquilhagem da Mary Quant e brincos de malmequeres. E voltei cheia de boas memórias. Que ficaram guardadas no coração até 1978, quando voltei a New York para trabalhar durante três anos.