Em Set. 87 fui ter contigo ao Ritz com a Xana Neto. «Porque é que ninguém na Élan sabe que tens um namorado? É um homem tão interessante’». É a minha vida pessoal. Toda a família o conhece. E alguns poucos amigos. E lá fomos para mais uma produção, no Xafarix.
Na revista estava tudo a correr bem. Todos os dias solicitações para eventos. Ia com um fotógrafo para rechear o Porteiro da Noite: ‘É para a Élan?’ Elas iam buscar amigos e amigas com risinhos histéricos. Virou bem aparecer na crónica social da dita playboy portuguesa. Eles: ‘A menina é tão gira, o que faz lá? Ah, é da publicidade!’ Os cartões na esperança de serem apresentados a alguma modelo…
A Edméa Brigham estava a fazer um artigo sobre perfumes. O que nos divertimos com todos os meus Yves Saint Laurent: presentes teus, claro.E com a história desse pequeno, com base num desenho de Picasso: a tua boca. Kisses all over you. Wherever you like. Há pouco uma amiga ficou admirada por ter vários YSL: Opium, Paris, Rive Gauche. Fiquei mal-habituada.
Começaste a querer ficar mais na minha casa da praia. Em vez do hotel. Achei muito querido. Trazias o pequeno almoço à cama. Cozinhávamos juntos. Explorámos todas as tasquinhas. Andavas entretido a arranjar coisas pela casa. O sexo continuava muito bom, diferente. Mais calmo. Mais intenso. Nunca entendi a tua obsessão: ‘Adoro o teu cheiro’. Só me ria, incomodada, parecias um cachorrinho a farejar-me, a lamber-me. Transformaste o meu corpo em um mundo erógeno. Até os pés?!?
Quando fomos a Sintra buscar uma encomenda que tinha feito, a empregada: ‘O meu pai teve um AVC e também anda assim sempre com uma bola na mão’. Eu já estava tão habituada. Tinha reparado que andavas um pouco mais agitado. Reacção normal à morfina? Tinha lido tanto sobre a esclerose múltipla. Tínhamos jurado nunca falar da ELA.
Levei-te a ver uma casa grande, em Colares. Com um jardim, acesso fácil, boas áreas. ‘Posso ajudar-te a comprar esta casa, queres?’. O olhar sério: ‘Sabes que tenho a minha casa em New York já modificada para quando começar a andar de cadeira de rodas.’
Senti-me tão nua. Desmascarada. E juntos chegámos à conclusão do bom que ia ser criar o ‘meu’ lar. Não contigo. Da necessidade de cortar o cordão umbilical com a minha mãe. Estava a ganhar bastante bem, se fosse preciso continuar a ajudá-la financeiramente. E a minha filha precisava também de autonomia.
Percebi também que tinha chegado o momento de te ajudar a romper. A acabar esta relação. E fui levar-te ao hotel. Sem despedidas. Como tínhamos prometido.
No princípio de Dezembro recebi a tua última carta. Do Japão. Foste directo para New York. Sem passar por Lisboa. A ELA pôs um ponto final.