Coragem por, aos 70 anos, dar a cara sobre ter sido abusada em criança!? Coragem foi ter vivido tantos anos com o sentimento de culpa. Tive o apoio terapêutico para conseguir saber os problemas emocionais da minha vida que têm essa causa. Quais? A bulimia. A descoberta precoce do prazer físico ter-se transformado em obsessão por sexo. O que nos anos 70-80 era visto como ‘ser uma mulher para a frente’. Essa aparente liberdade ocultava a total incapacidade de confiar 100% noutra pessoa.
Através do psiquiatra Manuel Vianna conheci há pouco os trabalhos de John Bowlby sobre o impacto no desenvolvimento sócio-emocional de acontecimentos adversos nos primeiros anos de existência, como perda e abuso sexual.
Tivemos oportunidade de falar sobre:
1.- os pontos comuns da minha experiência. O abuso ser usado para gratificação sexual do adulto. O incesto entre uma criança e um adulto ser a forma mais comum de abuso sexual de menores. A dificuldade de avaliar a prevalência por os abusadores serem da família imediata ou amigos da família. O deturpar as relações sócio-afectivas ao transformá-las em relações erotizadas.
2.- a importância do envolvimento da família na terapia. Nos casos que conheci a descoberta do abuso levou a ocultar na bolha familiar. Ao afastar a vítima em vez do abusador a minha percepção foi ‘os homens são assim. Ela também teve culpa’. O que fez com que o abuso continuasse, comigo. E me sentisse abandonada. O que me levou a ter uma relação de amor-ódio por quem na família esperava protecção.
3.- as diferenças do perfil de abusador que conheci. Eram/são homens ‘mulherengos’, andam atrás de toda e qualquer mulher, de todas as idades; faziam/fazem do charme a principal arma de conquista; de fora eram/são vistos como bons provedores e carinhosos para a família.
Já com 50 anos abordei esta situação com um dos abusadores. ‘Gosto muito de ti, Isabel. Sempre te tratei com carinho. Só te toquei. Não gostavas?’ Que idade tinha? Isso era abuso sexual de criança. ‘Nunca te magoei, nem violei’. Fiquei chocada quando percebi ser voyeur e exibicionista. Procurava os momentos onde estava mais gente em casa, que alguém podia entrar e ser apanhado. Passei a sentir nojo e nunca mais lhe falei.
O objectivo principal deste blogue é facilitar a discussão abertamente sobre incesto e comportamentos abusivos. Para evitar que continue a ser uma realidade. Ao quebrar o silêncio levou algumas pessoas a se afastarem. Era um risco previsto. Conheço na pele o impacto que tem nas gerações seguintes. A dificuldade de entender tanto o abusador como a vítima provoca traumas em todos.