Ao dizer que se voltasse atrás fazia de novo tudo o que consideram ‘asneiras’. Claro que num mundo ideal preferia ter evitado o abuso sexual em criança e o incesto na juventude. É um facto que tudo o que me fizeram sofrer fez a pessoa que sou. Hoje. Os terapeutas afirmam que estou bem resolvida. O ‘bem’ é relativo… A puta da bulimia está aqui para me fazer lembrar que tenho de me cuidar. Com carinho. Todos os dias.
Também dizem ‘Ter desejo sexual aos 70 anos é fantástico’. Herança genética da Avó materna. ‘A seguir ao almoço ficava dengosa encostada à porta de casa a despedir-se do José. Com 5 filhos!! Ele nem ia trabalhar. Que pouca vergonha!’ Contava a sua irmã.
Quero apresentar duas pessoas muito importantes para ter conseguido transformar as relações de amor-ódio no caminho do AMOR: o tio Henrique e a Isolde.
Dez.1970 o meu Pai ao telefone: ‘Soube agora do Henrique. Era muito seu amigo, não era?’ 'Sim. O meu Pai de verdade morreu hoje.’
Com o tio Henrique aos 12 anos aprendi a questionar tudo, a ter liberdade para ter opiniões próprias. Na sua casa tudo era levado muito a sério e também se tornava muito divertido. Quando comprou um veleiro pequeno: o tio tirou a carta de patrão de costa, nós todos fomos tirar a carta de marinheiro. Quando de saída para o Algarve a cadela com o cio – foi comprar um ‘cinto de castidade’. Imaginam os pescadores em Lagos? Uns para os outros ‘Devias comprar um para a tua irmã!’.
Na Foz do Arelho já com 14 anos a 1ª vez que fui protegida quando assediada por um adulto. O tio Henrique falou com ele, depois comigo e ao jantar a conversa com todos sobre ‘desejo sexual’, ‘o abuso sexual’, ‘o consentimento e o não’.
Aprendi também a aprofundar as questões com alguma profundidade. Nós adolescentes podíamos escolher temas para falar: aí apareciam livros para entender (o google estava longe) e depois poder questionar, opinar. As discussões apaixonadas eram pacíficas. A única regra de que me lembro ‘cada um é responsável pelos seus actos e pelas escolhas que faz. Errar e mudar de opinião é sempre possível’.
Em 1998 a viver no Brasil a Isolde foi crucial para ter conseguido fazer as pazes comigo própria e enfrentar algumas verdades sobre a minha vida.
Começou por ser a professora de ioga e de ‘anti-ginástica’. Éramos vizinhas, trocávamos os abacates do meu jardim com as pitangas do dela. Às vezes ‘Que se passa, Isabel?’ Nada, está tudo bem. Começou a saber ler-me. Sabia quando eu estava mal. Até a evitava.
A Isolde foi a minha Mãe da Alma. Passou a ser a orientadora para uma vida mais plena e feliz. Nunca questionei o que dizia para eu fazer, por mais que ficasse espantada. Como o Pai de Santo japonês que me benzeu numa sessão de candomblé. Ou o Padre católico que levou ao escritório da minha empresa para exorcizar as más energias.
‘Tem de arranjar namorado, o amor e o sexo são importantes'. O que nos rimos: um primeiro bem mais velho, um segundo bem mais novo.
‘Todos somos artistas e arquitectos intuitivos de nossas vidas e por essa razão, devemos ter absoluta consciência e responsabilidade para com nosso corpo, mente e espírito. Em todos os momentos...’ Isolde Altmann
Em 2007 quando voltei a Portugal e ao falar com terapeutas percebi que o abuso sexual de menores, já reconhecido como crime, era muito mais frequente do que imaginava. Em todos os níveis da sociedade. A maior parte das vezes no ambiente familiar.
Estudei muito sobre o tema até encontrar a querida amiga e terapeuta Maria Fernanda Reboredo. Que ajudou muito no processo de perdoar quem me deveria ter protegido. E de analisar a doença do abusador. E de fazer as pazes com esta família disfuncional.
Coragem para dar a cara aos 70 anos? Pulsão pela Verdade. A minha ferida está cicatrizada. O saber que estas partilhas estão a ajudar algumas pessoas é motivador para continuar. O objectivo principal deste blogue é criar uma Comunidade para quebrar o silêncio sobre comportamentos abusivos.