O meu 25 de Abril começou em 1969. Nas eleições pseudo-livres no tempo do outro senhor.
Fiz parte da campanha da CEUD, que tinha o apoio da Acção Socialista.
Durante a campanha eleitoral andei a distribuir boletins de voto. A lei impedia que as listas concorrentes constassem de um boletim único, por isso a oposição teve de fazer os seus próprios.
Andava a estudar no ISLA na Rua de S. Domingos à Lapa. O professor de Literatura Portuguesa veio avisar-me para ter cuidado. Uma amiga da Madeira, o pai era da Pide, disse que havia fotografias minhas na Baixa a entrar na sede da CEUD - onde ia com as minhas tias madeirenses, Alzira e Ângela, ajudar a dobrar votos e colocar em envelopes.
Fiz parte dum grupo de apoiantes com a missão de ir a Santarém. Tínhamos uma lista de nomes e moradas; disseram que podíamos entregar também nos cafés e lojas. Com uma jovem amiga achámos muito engraçado ir perguntar aos guardas da GNR e da Legião Portuguesa ‘Querem ficar com…?’ Os olhares foram entre o divertido e o 'cuidado'. Apanhámos uma grande descompostura do Salgado Zenha, muito sério indicou os da Pide que nos andavam a seguir e que podíamos ter sido detidas. No regresso a Lisboa vim num carro pela costa e convenci o meu pendura a parar em todos os cafés e bares: só homens, a cara deles quando viam uma desmiolada de 19 anos, recebiam logo os boletins… Despachei todos!
A 26 de outubro parecia primavera no dia das eleições. Dar nas vistas deu resultado. Com a amiga madeirense Anita Pontes, de férias em Lisboa, pedimos emprestado o chapéu de sol em casa da minha Avó ali no Rato, a mesa e as cadeiras no café em frente. Onde estiveram sentados uns cinzentos pides todo o dia: quando víamos que iam tirar fotos, nós as duas fingíamos que nem víamos e pousávamos orgulhosas nas mini-saias. Cheguei a ir lá pedir lume...
Quando fomos entrevistadas por uma televisão sueca as câmaras dos vários pides quase ficavam sem rolo. Os jornalistas suecos atravessaram a rua para entrevistá-los, mas voltaram logo a seguir – ofereci-me para servir de tradutora, porque não falavam inglês, mas os ditos disseram que não tinham autorização para falar com a imprensa. A jornalista terminou a gravar a minha explicação com, no fundo, os de gabardine e chapelinhos, furibundos.
Sabíamos que quem votasse na oposição ia ser logo identificado pois dias antes tinham mudado os boletins de voto da União Nacional (os marcelistas). De nada serviu termos sabido por tipógrafos comunistas clandestinos como seriam os da UN e de se ter conseguido imprimir os de toda a oposição com o mesmo tipo de papel e de impressão: só pelo tacto os nossos envelopes com os votos dentro ficaram ostensivamente reconhecíveis. Mesmo assim houve 12% que tiveram a coragem de votar na oposição.
Uma semana depois recebi no correio este recorte da revista Século Ilustrado.
Ainda me lembro do Eduardo Gageiro passar de mini e nos tirar a fotografia. Foi publicada na página central. Estou a segurar o chapéu de sol, a meu lado a amiga Anita, de costas o hippy do meu irmão Luís, a falarmos com dois conhecidos da CDE. Esse recorte vinha acompanhado com um pequeno cartão do Ministério do Ultramar do meu Pai escrito à mão, algo assim ‘Se a menina defende a independência das colónias, o que pode conduzir ao meu desemprego, então deve assumir a responsabilidade dessas opções’. Cortou a minha pensão de alimentos, passou só a pagar o ISLA. Nem percebeu que o meu irmão Luis também estava na fotografia, enfim ele só tinha vindo ver as meninas e trazer-nos o almoço.
Esse corte do meu Pai foi decisivo para a minha Liberdade pessoal: prometi que nunca ia ser dependente financeiramente de ninguém e que nunca ia ter de dar satisfações a ninguém. O que tenho cumprido, com altos e baixos, sempre em liberdade.
Adorei o texto!!Rebobinei o tempo...Vivi a crise de 69 em Coimbra...De família católica, conservadora e educada num Colégio de freiras, Coimbra abriu-me a mente, pôs-me a pensar por mim...Foi um tempo de ideais e de lágrimas...
Muito interessante ...... Anita Pontes é irmã de um grande amigo Emanuel Pontes que já faleceu e que faz muita falta ......... Um grande beijinho