Sou cabrita. Só aos 7 anos na escola ‘O teu pai é mulato!’, até aí pensava que estava bronzeado o ano todo. Aos 70 anos fui capaz de perceber que foi o grande amor entre a mãe madeirense e o pai cabo-verdiano que me gerou e aos meus irmãos. Quero agradecer a riqueza genética que faz de mim quem sou.
Neste último ano surfei nas minhas sombras. Ao questionar a verdade e a mentira lembrei da dor de descobrir que afinal os pais são menos perfeitos. Que a par do amor filial também têm defeitos. Enfim são humanos…
Durante anos alimentei a raiva e a incompreensão, deixei que manipulassem o meu silêncio. Para cumprir a promessa que fiz à minha Mãe tive de mergulhar nesse amor real. Sair da ‘minha’ verdade. Imaginar a vida desses dois seres tão diferentes, tive de ver a sua inocência como se fossem crianças: a da minha Mãe muito mais fácil e feliz que a do meu Pai. É tão difícil evitar julgar os outros, a questão é ‘A linha que separa o bem do mal divide o coração de cada ser humano. E quem está disposto a destruir um pedaço do seu próprio coração? Durante a vida de qualquer coração esta linha continua a mudar de lugar; às vezes é empurrada para um lado pelo exuberante demónio e outras vezes muda para dar espaço suficiente para o anjo do bem’. Aleksandr Solzhenitsyn, O Arquipélago Gulag.
O que aprendi neste último ano? Deixei de confiar nas minhas certezas. Parei de tentar entender e de controlar as coisas. Dei o salto para acreditar que este é o caminho. Passei a gostar de dançar com as sombras deste jogo da vida. Nestas fotos já consigo sentir amor, onde antes só via amargura. E só sentia dor.