Na 1ª palavra com Maria Fernanda Reboredo.
Fui abusada. Faço esta afirmação, não porque me lembre, mas após um longo caminho de pesquisas a partir de sintomas, que me causavam mal estar.
Falo de abuso sexual.
Fui abusada por um irmão mais velho, 6 anos mais velho, e por seus amigos com quem me partilhava como troféu, e por um pai, que não me tocou com as mãos, mas que me invadia com os olhos na sua qualidade de voyeurista.
Lembro-me de na puberdade me masturbar bastante, até de uma forma compulsiva e com muita ansiedade, e deste comportamento ter continuado ao longo da adolescência.
No entanto quando comecei a ter vida sexual com parceiro, as coisas não corriam bem, não fluíam. A minha mente era atravessada por flashes que cortava o fluxo da excitação e me interrompia o prazer. Eu insistia, mas tudo isto era decepcionante e frustrante.
A qualidade dos meus relacionamentos foi afectada por estas memórias, que embora não disponíveis, estavam vivas, a interferir na minha sexualidade.
Iniciei o meu percurso terapêutico. Foi longo, complicado e bastante doloroso. Tive a sorte de encontrar profissionais muito competentes que me guiaram com dedicação, calma e cuidado, pelo reino reprimido da minha sexualidade.
Todo este percurso me fez ser eu própria terapeuta.
Abuso sexual.
E percebi, como este sofrimento era, além de profundo, muito mais habitual do que eu imaginava.
Claro que há muitas formas de abuso, físico, psicológico, financeiro, mas o abuso sexual, que fere na essência da vida, a casa sagrada do amor, o corpo humano, especialmente, na sua forma infantil, e mutila, a vida na sua essência é hediondo.
Tenho 70 anos. Ainda hoje tenho sequelas no meu corpo desta tremenda ferida que me fizeram.
Desenvolvi distúrbio alimentar. Tenho uma depressão que combato desde que me lembro.
Sou uma combatente. Aprendi a cuidar de mim e a cuidar dos outros, tenho tido uma vida de permanente cuidado com altos e baixos, resultantes desta ferida que me foi feita quando a minha mãe abandonou a família, e me deixou em casa, a única menina, com o meu pai e o meu irmão, ambos doentes.
Todos já faleceram.
Fomos uma família disfuncional.