Isabel, na Ilha das Loucuras. Imaginem a minha fama na Madeira.
Mãe solteira, que saía à noite para engatar, livre e independente.
Em Junho de 1973, a jantar no Belo Mar com um grupo de amigos, o Martinho tira-me da mesa a rir: ‘O que nós, estes cinco homens, temos em comum?’ Todos madeirenses. Gostam de mulheres. São divertidos. Gostam de beber. ‘Não. Tu já andaste com nós os cinco!’
No final de 72 fui convidada pela tia Ângela para ir viver para a Madeira. A substituir o chefe de escritório de 50 anos, na firma de exportação de vimes. A ganhar bem e com direito a casa nos Apartamentos D. Carlos que também pertenciam à família. Em Lisboa a viver em casa da Mãe, foi o tempo de fazer as malas, acordar com a Isabel (cunhada do meu irmão Luís) para vir tomar conta da minha filha Sofia, com 2 anos.
Esta Madeira pareceu-me muito diferente da conhecida das férias em casa da Avó. Da dos primeiros namoros de verão e de fim do ano.
A surpresa no dia em que quis ir à Camacha conhecer as principais famílias que produziam os cestos e cadeiras, mesas, etc. que exportávamos. O senhor Vieira veio-me buscar aos apartamentos. Abriu a porta de trás do carro dele. ‘Vem mais alguém connosco?’. ‘Só a menina’. A rir: ‘Então vou à frente’. Muito sério: ‘Imagine o que vão dizer!’. Em casa dos camacheiros fui recebida por um, às 10 da manhã, com vinho da Madeira e biscoitos de mel . No segundo ao almoço só homens; as mulheres entravam para nos servir; vi ossos de galinha a voar da cozinha para o quintal. À tarde em casa doutro, mais vinho e bolo de mel. No regresso ‘Estou cansada’ e acabei por ir mesmo dormitar atrás no carro.
O prédio dos Apartamentos parecia uma república. Vá lá, motel é muito forte. Do Conjunto João Paulo vivia lá o Sérgio Borges com a família. Tocava no Casino. Conheci ali o Ângelo Moura e o Gualberto. A gestão era feita pelas tias Alzira e Ângela. A Avó tinha deixado a casa, ao lado do liceu, para o tio Raul e a família. Viviam todas ali.
A princípio foi muito divertido. Tinha o apoio das três para viver com muita liberdade. No fim de semana ficavam a tomar conta da minha filha e eu podia sair com a Isabel, 16 anos. Imaginam as duas irmos a pé, à 1 da manhã, pelo Campo Almirante Reis fora até à Romana? Sabia que na discoteca estava sempre alguém conhecido. E o dono, o João Carlos Abreu, era amigo das minhas tias.
Naquela sociedade ultra-conservadora, as duas lisboetas éramos vistas, pelos homens, como presas fáceis. O sexo feminino deitava-nos olhares críticos. Sozinhas?! Então quando algum amigo me vinha buscar para dançar? Até tinha dois vestidos especiais, bem, bem decotados e sem costas; um preto de malha, o outro castanho com flores grandes. Tínhamos quase sempre oferta de boleia para casa. Eu sabia que apartamento estava vago. A Isabel ia revezar quem estava de baby-sitter.
Uma noite quase fiquei ofendida com um ex-namorado da minha adolescência: ‘Sei que gostas muito da tua liberdade. Eu também. Podes andares com quem quiseres. Mas só podes fazer broche comigo. Bom, 69 como sei que gostas’. Uma gargalhada, daquelas minhas que vêm da barriga. Ficou por ali.
Creio que a Avó e as tias admiravam que eu fizesse o que elas nunca tiveram oportunidade. Como no trabalho estava correr muito bem, consegui negociar receber o valor da renda do apartamento e mudar. Através do Mário Trindade fui para um T1 no Caminho da Ajuda, em frente ao hotel Madeira Palácio. Vista maravilhosa, acesso complicado com uma criança de 2 anos.
Mudámos para o Aparthotel Santa Luzia do Paulo Lopes Serrão, ao pé da escolinha alemã.
No início de 1973 conheci o Carlos Martinho Camacho. Ficámos amigos para o resto da vida. E inseparáveis. Claro que fomos para a cama. Também o recomendei às minhas amigas lisboetas. Os fins de semana eram muito intensos. Naquela ilha criámos o nosso S. Francisco hippie – rock & roll, peace & love. Na Primavera Marcelista, com a sombra da guerra colonial, a nossa forma de contestação era a irreverência e a provocação. A par dos cabelos compridos, dos jeans, das calças coloridas e muito justas (‘Como é que fazes para não se ver?’ ‘Ponho para trás!’), as mini-saias e as sandálias de plataforma. Com o Martinho vinham o Énio e outros bons amigos dele. Sozinhos ou com estrangeiras. O divertido que era, depois de uma noitada e de termos dormido umas horas, irmos tomar o pequeno almoço ao Golden Gate, ao Apolo ou ao Café Funchal. Todos produzidos como nessa noite. A rádio bilhardice já tinha espalhado onde tínhamos estado e com quem.
O Martinho era o meu companheiro para ‘Quero engatar aquele gajo’. Poucas vezes era só uma vez. Fiz vários amigos coloridos. Sem segredos. Em liberdade.
Com as madeirenses só saíamos em grupo. Tinham medo de ‘dar’, na altura na Madeira (bom, em todo o Portugal) uma que ia para a cama deixava de ser material para casar. Eu era vista como um risco para os casais de namorados ou de papel passado.
Só fiz uma amiga, a Isabel casada com o Câncio, pais do Bernardo da mesma idade da minha filha. Tínhamos em comum a amizade do Martinho. Sabia que eu só andava com quem me despertava interesse. Com quem me fazia tesão. O marido dela estava fora de questão. Creio que me via como parte do grupo dos homens. Foi quem me explicou. Por volta das duas da manhã eles iam pôr as mulheres e as namoradas a casa e voltavam para continuar na noitada. A princípio pensei que elas tinham hora de voltar para casa, por causa dos pais. Demorei a perceber que afinal iam acabar a noite no Safari, perto do antigo Sheraton. “É o normal, pelo menos não andam a arranjar sarilhos com miúdas mais novas. E chegam a casa mais calmos quando já lhes passou os copos”.
Em Julho de 73 fomos viver para o apartamento atrás do Lidosol, na Estrada Monumental. A melhor casa que tivemos no Funchal. Que com a crise do petróleo virou ‘a casa da malta’. Muito se passou até Julho de 1974 quando regressámos a Lisboa. Bom, na realidade, fugi. Fica para a próxima publicação.