O 2º semestre de 1973 foi muito diferente. Com a ida da cunhada Teresa e do filho bébé para junto do meu irmão Luís em Angola, a Mãe resolveu vir também para a Madeira. Cortei rápido a ideia de vir viver connosco no novo apartamento atrás do Lidosol, no quarto de hóspedes. O bom foi querer ficar com a Sofia nos fins de semana, a neta querida. A Isabel passou a sair mais, também à noite.
Em Outubro desse ano a crise do petróleo obrigou a mudanças na nossa vida. Com a inflação a disparar e a obrigação de reduzir o consumo de energia, na Madeira os bares e as discotecas passaram a ter de fechar mais cedo. Creio que eu era a única portuguesa solteira, de vinte e poucos anos, que vivia no Funchal sem ser em casa de familiares. O apartamento virou a ‘casa da malta’. O Martinho e o Énio tinham uma chave, podiam entrar à vontade, ficar na sala, usar a cozinha e a casa de banho social. Só ficava fechada a porta do corredor de acesso ao quarto da minha filha Sofia e da Isabel e à minha suite.
Durante a semana às vezes eu vinha espreitar quem estava. Na porta do quarto já tinha duas camisas de noite de seda, com bordados da Madeira, que a Avó tinha oferecido. Eram boas demais para dormir. Por baixo cuecas, sem soutien. Tinha de trabalhar no dia seguinte, ficava pouco tempo. Uma vez dei com a Sofia, de 3 anos, sentada no chão deliciada com quem estava a tocar guitarra. Ainda a deixei ficar mais um pouco, estava tão feliz.
A casa ficou cheia de discos, traziam bebidas e comidas. E amigas estrangeiras, claro. Uma noite dei com o chef do Sheraton na cozinha. Um suíço grande, tipo ursinho querido. Durante vários dias deixava-me uns presentes no frigorífico, que fazia as nossas delícias.
Este estilo de vida animava a rádio bilhardice local. A Avó e as duas tias, Alzira e Ângela, admiravam a minha liberdade. Só a minha Mãe era muito crítica: eu era independente financeiramente, nem ligava. Ainda enviou o meu irmão Rui em missão de paz ‘O que as pessoas vão dizer? Fica mal na família’. Oferecida, eu? Namoradeira, sim, claro com muito prazer! Foi só preciso relembrar as cartas que, nos anos 60, o nosso irmão Ani escrevia de Inglaterra, as cinco namoradas na mesma semana, o inventar que fazia anos quando estava perto do fim com alguma para receber um presente. Tive pena do Rui, tinha acabado de enviuvar, a filha ainda era bébé. Só disse que casar estava totalmente fora das minhas intenções.
A festa dos 3 anos da Sofia permitiu que a família madeirense fosse toda lá a nossa casa. O presente de que mais gostou foi o peluche oferecido pelo Martinho. O coelhinho do tamanho dela.
Dos primos o Pedro, o mais novo da tia Ângela, passou a ser visita. E a ficar no quarto de hóspedes. Trazia discos e fuminhos. Gostava muito do estilo meio hippie em que vivíamos.
Nesse fim de ano um pedido surpreendente. ‘Posso ficar cá em casa?’ Fazia parte do grupo dos casados, a oferta de solteiros era muita. A mulher tinha-se zangado, viviam numa casa solarenga, creio que da família dela. Era um homem muito bonito, charmoso. Trazia só um saco de cabedal castanho pequeno. ‘Há o quarto de hóspedes’. “Posso ficar contigo?” ‘É melhor pores o teu carro mais para dentro, vê-se muito da Estrada Monumental’. “Ainda bem”. Chegava ao fim da tarde, servia um whisky, fumávamos e ficava na sala com a cabeça deitada no meu colo a ouvir música. Depois da meia noite quando a malta aparecia, ficava discreto num canto a conversar. Vinha-se deitar, silencioso. De manhã a Isabel vinha trazer-nos o pequeno almoço na varanda do meu quarto. E deixava uma camisa que lhe tinha lavado e passado, com carinho. E cada um saía para o trabalho.
Durante uma semana os nossos amigos olhavam admirados, sem comentários, nem perguntas. Dormimos agarrados, só beijinhos, nada mais. Além dumas lágrimas ‘Queres falar?’ Abraço tão forte. E gostoso. Um dia o carro deixou de dar nas vistas. A cor tinha voltado à casa dela. Passámos a encontrar-nos no nosso grupo de amigos. Na piscina e à noite. Gostei de vê-lo feliz com a mulher. E ele passou a fazer questão de vir cumprimentar com um beijinho. A mim e à Sofia.