“Bisexuality immediately doubles your chances for a date on Saturday night. “ - Woody Allen
A curiosidade e a fantasia são elementos fundamentais do sexo. Temos desejos que desconhecemos e só a curiosidade nos pode levar à descoberta e experimentação.
Durante a adolescência tive uma relação muito próxima com o meu melhor amigo. A intimidade era forte e tinha desejos confusos, mas nunca suficientemente claros para definir qualquer coisa que me assustava. Não sei se esta ambiguidade era mútua, mas acredito que sim.
Por outro lado tinha uma suspeita que o ânus era um órgão sexual particularmente desaproveitado nos homens heterossexuais. Por vezes, no banho estimulava com os dedos a entrada do ânus. Sabia que havia ali um prazer incompreendido.
Quando em 1998 foi a Nova York e encontrei a loja “Toys in Babeland” comprei o “The Good Vibrations Guide To Sex” (1). Salientava que “há muitas razões fisiológicas para que, homens e mulheres, tenham prazer com a penetração anal, tal como há razoes para as mulheres apreciarem a penetração vaginal.”
Depois um capítulo sobre “Dildos” e “strap-on”, ou seja, um dildo com arnês preso à volta da cintura. Descobri o mundo do “bend over boyfriend” ou “pegging” (2).
De repente abriram-se novos horizontes e possibilidades. Comprei, às escondidas da amiga que me acompanhava, o meu “strap-on” e um “dildo” cor de chocolate de dimensões que denotavam alguma gula. No aeroporto estava aterrado que o fiscal quisesse abrir a mala. Não sabia se tinha mais vergonha do austero polícia ou de como explicar à minha amiga.
De volta a Lisboa enfrentava o dilema de como envolver a minha namorada nisto. Finalmente ganhei coragem, mostrei as provas do crime, e pedi-lhe cumplicidade para experimentar ser penetrado. Percebi de imediato a enorme incompreensão que subsistiu.
Quando todos os nossos preconceitos sobre a homossexualidade estão à volta da penetração anal, esquecemos as incongruências desta argumentação. Obviamente as mulheres que gostam de sexo anal seriam imediatamente homossexuais. Os casais de homens que não apreciam sexo anal passariam a ser heterossexuais. Seja por este, ou outros motivos, aquela relação já era uma crónica da morte anunciada.
Lentamente fui libertando a carga de vergonha e introduzi o sexo anal feminino-masculino nas minhas relações heterossexuais. Compreendo que a relação com o prazer anal é diferente em cada caso, muitos podem não gostar ou ter repugnância a experimentar. Mas descobri em mim uma nova forma de prazer, com o estímulo dos nervos no ânus e da próstata, que pode conduzir a orgasmos, diferentes, mas igualmente poderosos (3).
Descobri a dualidade de dominar e ser dominado. A penetração é também uma forma de domínio. Esta inversão de papeis, de ser penetrado, implica uma relação intimidade diferente. Assumo um papel submisso, passivo, receptivo e frágil. Gosto de a sentir forte e poderosa.
Da mesma forma que gosto de penetrar a minha parceira, também gosto do poder que ela exerce em mim. A minha vida sexual ficou mais rica e variada. Um tipo de sexo não exclui outro.
Algures encontrei este texto, não sei de quem, mas que me revejo:
“A pila dele, o meu cu, a soltar-se. É divino. Quando ele me penetra eu liberto-me, milímetro a milímetro. Liberto os meus músculos, os meus tendões, a minha carne, a minha raiva, o meu ego, as minhas regras, os meus censores, os meus pais, as minhas células, a minha vida. Ele fode-me até me tornar feminina. Levar no cu dá-me esperança. Aprendi a entregar-me. Ele abre-me o cu e com a primeira arremetida encontro-me a mim própria, encontro o meu espírito, a minha voz, a minha coragem, a beleza da submissão. Uma afronta, pelas traseiras, a muitas “feministas” modernas. Enquanto mulher emancipada, esta é a única maneira que tenho de o conseguir sem perder a minha dignidade. De costas, de cu para o ar, não tenho escolha senão sucumbir e perder a cabeça.”
Revejo-me neste texto em múltiplas dimensões. A minha força não vem de ser masculino, mas de aceitar-se como um todo. Quando introduzi na minha vida sexual uma dimensão de reversão de papeis, expondo-me vulnerável e frágil à minha parceira, reforcei a intimidade e confiança. Surge uma relação mais forte e resiliente.
Mais tarde, quando estive a trabalhar fora de Portugal no início dos anos 2000, decidi enfrentar os meus medos e hesitações para dormir com um amigo. Talvez o facto de estar longe de casa permitia arriscar. Foi uma noite extraordinária, uma explosão de sensações talvez intensificada por ter tomado um ecstasy. Só tenho pena de ter demorado tantos anos a libertar os meus preconceitos até chegar ali.
Durante algum tempo convencia-me que era um heterosexual que gostava de sexo anal. Mas, com o tempo, percebi que essa classificação não é relevante. Na verdade nem sequer há uma dicotomia entre heterosexual ou homosexual. Há diferentes níveis de gradação que podem mudar ao longo da nossa vida e, cada caso é único. Assumi que a minha sexualidade não tem de se encaixar em classificações carregadas de preconceitos.
“Um dos problemas quando falamos sobre a masculinidade é a confusão entre sexo (masculino) e género (homem). […] Mas a masculinidade é essencialmente um conjunto de hábitos, tradições e crenças historicamente associadas com ser um homem. […] A masculinidade emergente poderá ser a que privilegia a tolerância, flexibilidade, pluralidade e literacia emocional, tal como que a força, segurança e estoicismo foram celebrados no passado.” (4)
Sou heterosexual, homosexual, bisexual, um pouco de tudo. Sobretudo sou feliz com as minhas escolhas.
(continua)
TOBIAS
15/12/2021
(1) The Good Vibrations Guide To Sex. Cathy Winks e Anne Semans. Gosto da simplicidade e pragmatismo deste livro. Não há tabus e transmite-nos a confiança de compreender e experimentar.
https://www.simonandschuster.com/books/Good-Vibrations-Guide-to-Sex/Anne-Semans/9781573441582
(2) Ruby Ryder tem informação bastante profunda e detalhada sobre “pegging”. Desmistifica preconceitos masculinos de identificação homosexual que complementa com recomendações muito pragmáticas. Sobretudo nunca esquecer de usar muito lubrificante.
https://peggingparadise.com
(3) A guide to anal sex. Uma introdução ao sexo anal para adolescentes e curiosos. A penetração anal estimula nervos do ânus e a próstata ou a parte interna do clitóris. É muito excitante para muitos homens e mulheres.
https://www.teenvogue.com/story/anal-sex-what-you-need-to-know?mbid=social_facebook
(4) The descent of man. Grayson Perry.
O extraordinário artista contemporâneo inglês, premiado com o prestigiado Turner Prize, escreve este pequeno livro sobre a sua visão da masculinidade. Revê todos os nossos preconceitos da projecção masculina do homem seguro, forte, ambicioso, dominador, racional e que não chora. Não sejas mariquinhas, dizia a minha mãe. Foi-nos impresso, na profundeza da psique, o medo de ser maricas.
Esta divergência entre a nossa natureza e a narrativa da normalidade “masculina”, sustenta o modelo patriarcal dominante, machista e misógino. Temos de nos confrontar com as nossas inseguranças, vulnerabilidades e emoções para construir um novo homem.
https://www.theguardian.com/books/2016/oct/23/descent-of-man-masculinity-grayson-perry-review-a-mans-man-is-yesterdays-hero-gender-role
Também vale a pena ler o Portrait of the Artist as a Young Girl.
https://www.theguardian.com/books/2006/feb/04/highereducation.biography