“To burn with desire and keep quiet about it is the greatest punishment we can bring on ourselves.” ― Federico García Lorca.
Como a Isabel, também tive de fazer um percurso de ‘abertura’ sexual e ajustar gradualmente os meus valores. Reavaliar-me constantemente e encontrar um caminho que equilibra os meus desejos, percurso de vida e, contextos sociais.
Por tudo isso, a coragem da Isabel em revelar e contar na primeira pessoa as suas vivências, é extraordinária. O seu blog é bastante cândido e frontal na discussão de temas reprimidos. Gosto da abertura com que apresenta as suas histórias pessoais.
O meu contributo é contar o meu percurso de desejos, experiências e aprendizagem. Espero que a partilha ajude outros a interpretar os seus desejos e experiências. E sobretudo a libertar o lastro de preconceitos e castrações.
Repressão e desenganos
“Shame is the lie someone told you about yourself.” ― Anaïs Nin
Crescemos num mundo de repressão e preconceitos absurdos de normalização sexual. Não é de espantar o silêncio dominante sobre a sexualidade.
Santo Agostinho definiu que "todo o acto sexual nasce do mal e, cada criança que nasce do mal, nasce em pecado. É através do sexo que o homem passa o pecado de uma geração para a seguinte".
São Tomás de Aquino, na Summa Theologica (1265-1275), rescreveu a teologia moral cristã e estipulou que a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo, que não podiam ser para procriação, era “particularmente ofensiva à vista de Deus”. Sendo o pecado mais terrível. O Concilio de Trento em 1563 concedeu autoridade moral a estas visões, que se entranharam pelas nossas vidas.
Apesar de ter uma família relativamente progressista, o sexo era um tabu. Não se falava e, tudo subsistia numa teia de preconceitos em que o desejo era inevitavelmente uma perversão. A minha mãe contou, anos mais tarde, a sua aula de educação sexual. Na véspera do casamento a sua mãe confrontou-se com a necessidade de finalmente esclarecer tudo. Chamou-a e explicou-lhe: “Amanhã, depois do casamento, vais com o teu marido e fazes tudo o que ele quiser”. “Tudo, mãe? Mas não sei o que fazer?”, retorquiu a noiva. “Pois bem, ele saberá!”. E assim era. Mas ele também não sabia. Todos viviam os seus desenganos.
O único contraponto à repressão sexual era o ideal romântico que herdamos dos Sec. XVIII e XIX. O conceito de um amor idealizado, heterossexual, monogâmico, submetido ao casamento, no qual libertaríamos a intimidade e o sexo. Para cada homem havia a mulher certa e vice-versa. Não podíamos desperdiçar o amor perfeito por troca do prazer. O lado trágico disto era o medo de desperdiçar a nossa pureza e inocência sem encontrar o destino.
A narrativa dominante determinava que os rapazes tinham desejos e pulsões, mas deviam aprender a dominar-se. Aos homens pertencia a acção, o papel do conquistador com segurança e determinação.
As mulheres eram objectos de desejo distantes, virgens, frágeis e recatadas. Não tinham desejo sexual, o desejo da mulher era a segurança de constituir uma família. O papel da mulher era ser passiva e recusar os avanços dos homens até encontrar a peça do puzzle perfeito. Tudo o mais seria a perdição.
A donzela estava no seu castelo. O cavaleiro tinha de lutar para a merecer. O filme de “A bela adormecida” sintetizava toda esta mitologia.
Mas a lei do desejo imperava. As pulsões eram fortes e inevitavelmente todo eu era um turbilhão de desejo. Desde muito pequeno sempre senti uma grande pulsão sexual. Como pré-adolescente sentia desejos mais fortes que os meus primos da mesma idade.
Tinha um enorme desejo de intimidade, mas não sabia como agir com as mulheres. Se fosse demasiado audaz e óbvio elas rejeitavam. Se fosse demasiado reservado elas desinteressavam-se. As raparigas tinham de guardar a sua “pérola” para o amor verdadeiro.
No meio desta trapalhada de tentar interpretar toda aquela codificação de sinais do amor, as minhas oportunidades desvaneciam-se. O contraste entre o desejo e a auto repressão fomentavam a minha insegurança.
Inevitavelmente comecei a explorar a sexualidade. Aos catorze anos partilhava com um amigo revistas como Playboy, a Penthouse, a francesa Lui, e a versão portuguesa Gina, bem mais pornográfica. Eram as janelas para um mundo do desejo dos rapazes. Juntos masturbávamos mutuamente, com desejos subjectivos, à procura de alguma intimidade física. Mas ficávamos num território perigoso, com uma sensação de vergonha e culpa. Não sabíamos, e não podíamos, falar sobre o que estávamos a fazer. Até hoje nunca falamos sobre essa experiência sexual homoerótica partilhada.
(continua)
TOBIAS
20/10/2021