'Fazer de ti uma mulher honesta'
1998. Este foi o 3º e último pedido de casamento que me fizeram.
1998. ‘Vim disposto a fazer de ti uma mulher honesta. Assim, nem pensar.’ Uma semana antes o telefonema de Lisboa ‘Estou a pensar ir aí ao Brasil’ Surpresa: ‘Vens de férias? S. Paulo é meio feio. Tudo bem, estou a trabalhar. Posso tirar uns dias, tem sítios muito bonitos na costa até ao Rio de Janeiro’.
Foi a relação mais longa que tive na vida – com muitos e vários intervalos. Nos meus 20 anos as mulheres dividiam-se entre ‘as para casar’ e ‘as que davam’. Como mãe solteira tinha muitos pretendentes. Conhecemo-nos através de amigos. Casado, cinco anos mais velho. Sempre achei cómodo ser ‘a outra’. Ia-me buscar para almoçar ou jantar. Tinha uma força física enorme, o sexo às vezes parecia uma luta ardente e eu sentia-me leve. Uma vez na Av. da República vi-o deitar-se para o chão, assustado por causa do tubo de escape dum carro. Tinha feito a tropa na Guiné. Quando dormíamos juntos ficava muito agarrado, sentia-me pequenina, muito protegida. Às vezes o sono era muito agitado, eu sabia que se acalmava se ficasse em conchinha, quieta. Nunca entendi a dificuldade que tinha em falar sobre os anos no Ultramar. ‘Na guerra com os pretos’. Cuidado que a minha família paterna é de Cabo Verde. Risos.
Na casa da minha Mãe ficava calado a observar toda a gente. Buscava ávido tocar-me, dar a mão. Falava bastante com o meu sobrinho, o único homem, no meio daquela mulherada toda.
Em 1972 fez cara de criança amuada quando fui viver para a Madeira.
Com 32 anos voltámos de novo. Tinha tido um filho. Eu a 2a filha, um divórcio e outros casos. Na agência JWT ficavam a olhar curiosos quando aparecia sem avisar, de carro ou de moto ‘Podes vir almoçar?’. Íamos para uma casa no Meco. Os fins de semana a dois eram intensos. Vinha buscar-me muito cedo no sábado, eu já tinha arranjado umas sandes para petiscar enquanto ficávamos a pescar, numa barragem no Alentejo. Íamos a correr fazer o check-in e ficávamos a tarde e noite juntos. ‘Gostaste?’ ‘Queres mais?’. O certo é que nos encaixávamos muito bem e dava-me um prazer enorme. Completo.
Quando estava de férias com as miúdas vinha ter connosco uns dias. No Algarve vinha buscar-nos para ir até à praia da Carrapateira ter com uns amigos. Era capaz de fazer muitos kms para estar junto de quem gostava. No Porto Santo um dia no mercado ‘esses peixes vermelhos quanto é?’. Em casa parecia uma criança feliz a grelhar os salmonetes. Com o barulho do mar em frente. ‘Vais assim à vila? Comigo não’. O topless na praia tudo bem. Um dia a seguir ao almoço dei com as miúdas a espreitar pela janela do quarto. À noite muitos risinhos. Passámos a fechar a cortina.
Ligava muitas vezes para a agência JWT. Ficava irritado por eu estar muito ocupada, pela minha pouca disponibilidade. Mudava de assunto quando contava das festas, dos jantares, das viagens. Fazia troça de algumas pessoas, da minha roda viva social.
Uma vez levou-me a sua casa. Uma moradia fora de Lisboa. Levou-me ao colo encaixada da sala para o quarto – foi bom, mas…. Muitas fotografias do filho. Algumas dos três juntos. Rompemos pouco depois. Chorei vários dias. Em casa ninguém fez perguntas.
Já tinha 42 anos quando reapareceu. O meu sobrinho tido dado o contacto. Eu morava no Restelo. Ficou uma semana lá em casa. Estava triste. Ainda mais calado. Tinha-se divorciado, a ex-mulher tinha levado o filho para fora, tinha outra relação, trabalhavam juntos. O sexo continuava bom. Mas diferente. Passou o Natal connosco. Irritou-se por ser tudo encomendado. A minha Mãe nem fez perguntas. O meu irmão ficou a olhar para as botas cardadas. Na véspera do fim do ano ‘Tenho de ir embora’. Telegráfico.
Seis anos depois quando chegou ao Brasil ‘Separei-me. Achas que arranjo trabalho aqui?’. Podemos ver. Estávamos os dois diferentes. Já tinha saudades de uma noite de sexo bom. Para estarmos mais à vontade tinha dado folga à empregada. O 1º sinal: ‘O que vais fazer para o jantar?’. ‘Apetece-me ir comer fora. Vamos ao rodízio de carne ou preferes costela de boi?’ No domingo a discussão: ‘A tua filha está grávida? Não quer casar com o pai da criança? Vai ser também mãe solteira? Eu não estou de acordo com isso’. ‘Problema teu. É a vida dela. Alguém te pediu a opinião?’ ‘Então volto para Portugal. Não aturo isto’. ‘Querido, vivo bem sozinha. Esta é a minha casa.’
Tantos anos depois continuava sem entender a minha necessidade de ser independente. Ser fiel numa relação, posso encarar. Creio que num casal cada um deve poder manter a sua pessoa. Nunca acreditei nas duas pessoas que viram uma única. No dia seguinte marcou passagem para essa noite. Fui levá-lo ao aeroporto. Uma hora de silêncios. A última vez que nos vimos. Numa ilha deserta com pouca gente teria sido possível vivermos juntos?