Continuar a revolução com a ‘Tucha’? A boneca que faz o que tu fazes
Em 1976 fui mãe pela 2ª vez. E dei à luz várias empresas.
Em Janeiro de 1976 «Borges, precisamos de ti». De novo o Francisco Calheiros, do tempo do PS e da FSP. «Oh gaja estás a fazer-te difícil? Vai ser giro, anda lá.» Um grupo de empreendedores (gestores, ex-membros de governo de todas as cores) tinha acabado de fundar a SNEDE. Fui a 1ª a ser contratada, como secretária de administração, quer dizer, pau para toda a obra. Com procuração do Xis negociei com Manuel Caetano o contrato de arrendamento do 19º andar no edifício Aviz, na Fontes Pereira de Melo. De início a empresa tinha a missão de fazer a ponte entre Portugal e os PALOP’ s. Senti-me como mãe adoptiva de um monte de organizações que ajudámos a criar em Angola, Cabo Verde, Moçambique e Guiné-Bissau.
Grávida da minha 2ª filha, tinha casado em Junho e vivíamos perto da Infante Santo. Do meu lado já havia vários netos. Do lado do meu (ex) marido era a 1ª neta, muitas expectativas. Nem sempre fácil conciliar o meu ‘workhaolismo’ com essas ansiedades. Tanto mais que o pai da criança foi para Madrid 6 meses fazer uma especialização.
Quem se lembra da Tucha? Conheço Henrique Neto de 1976 da fábrica desta boneca, na Figueira da Foz. Mais um dos projectos inacreditáveis saído das mãos de Francisco Calheiros. Alimentava o sonho de “encontrar soluções para grandes problemas que afectam a economia nacional, atenuar a grave situação de desemprego que se vive neste país com a criação de novos postos de trabalho”. Para apoiar a produção nacional - 80% dos brinquedos eram importados (e caros), em Agosto nasceram a Brintói (a sociedade produtora) e a Jugal (a empresa distribuidora).
A minha filha Sofia, com 6 anos, foi o focus group e fez o teste de mercado: levaram-na a lojas de brinquedos, pediram opinião sobre a Barbie; com o protótipo desmanchou pernas e braços, vestiu e despiu bonecas, escolheu roupas. Um ano depois a boneca estava nas lojas em Portugal e o 1º contentor de Tuchas partiu para Cabo Verde, Angola e Moçambique. Fomos todos para a noite celebrar.
Ainda se produziram Sandra (a boneca que andava e movia a cabeça “sem pilhas”), Gavi (o boneco que “toma biberão e faz xixi”), e os bonecos Topo Gigio e Abelha Maia.
Com o rápido crescimento da Snede, passámos a ter outro escritório. Uma clara divisão: no 19º o grupo duro, encabeçado por Esteves Belo e orientado para projectos nos Palop’s e no 4º a equipa liderada por Xis Calheiros e vocacionada para o apoio à produção nacional. Muitos dos hoje Directores Gerais de multinacionais e grandes empresas portuguesas tiveram ali o porto de abrigo que lhes deu emprego naquele tempo conturbado. Também jovens recém saídos da universidade - parecia uma creche da Lapa.
O projecto de Michel Giacometti foi muito interessante. Fiquei impressionada pela paixão que este corso tinha por Portugal, pelas nossas gentes e pelas nossas riquezas musicais. O amor transbordava daquela pessoa tão sensível - e tão forte.
Com o meu divórcio, no verão de 1978 fui para New York como office manager abrir a IMP, joint venture de 20 exportadores de mobiliário com o Fundo de Fomento de Exportação. Fiquei fascinada por Manhattan. A ilha com menos de 60 km.2 tinha na altura cerca de 1 milhão e 700 mil habitantes. Tínhamos o apoio de José Amaral Osório, director da delegação do FFE, que foi um guia fantástico para descobrir esta ‘capital cultural do mundo’.
As exposições que fazíamos foram óptimas oportunidades para descobrir um pouco dos Estados Unidos. E as suas idiossincrasias. Os meus colegas americanos ficavam espantados por eu ter direito, como já todos os portugueses na altura, a 30 dias de férias pagas mais o subsídio de férias; eles tinham 1 a máximo 2 semanas e sem subsídio. O armazém ficava em New Jersey – ao contratar uma administrativa foi-nos imposto uma ‘de cor’ por causa do rácio das minorias. Imaginam a minha cara quando o Sales Manager disse que eu não a podia levar a uma feira em High Point, na Carolina do Norte? No edifício da feira as pessoas de cor eram só das equipas de limpeza e trabalhavam até às 8h. A partir da abertura estavam proibidas.
Neste estado ainda reinava a lei seca, bebidas alcoólicas só nos bares. Portugueses ao jantar sem vinho?!? Criatividade tuga: levávamos vinho tinto numas mochilas que ficavam no chão, pedíamos coca-cola – sem gelo... Das vezes em que gostei de beber vinho em copos grandes, vá lá que eram de vidro.
Este e outros artigos são do maior interesse. O memorialismo é um género apaixonante, sobretudo quando cultivado com sinceridade. parabéns.