Continuação da minha história de AMOR aos 18 anos. E a descoberta do fascinante mundo da publicidade.
1968, um Portugal menos cinzento. Muito boémio
Com mais 30 anos levaste a sério a minha educação sexual. As lições práticas eram no fim do jantar na Quinta das Mouras, antes de me ires levar a casa. Tinhas um apartamento em Campo de Ourique que dividias com outros amigos publicitários. Nessa altura ainda era na Rua 4 de Infantaria, a decoração estava diferente, tons vermelhos no quarto. Ou ias buscar-me no ISLA ao fim da tarde. Uma vez por semana, mais um capítulo para aprender. Rias-te com as minhas perguntas do Kama Sutra. O livro encadernado, em inglês, tinha imagens maravilhosas. Que provocavam o meu espanto. Tive receio de levar para casa os livros que ias oferecendo: lembro dos romances ‘A Convidada e ‘Os Mandarins’ da Beauvoir, ‘Maison de l’Inceste’ e ‘Les Cités Intérieures’ de Anaïs Nin. Forrava com uma capa ‘inocente’ e lá ia devorando um a um, como se fizesse parte da cadeira de Literatura Europeia.
No verão de 1968 o convite para ir passar uns dias com vocês ao Algarve. No Citroën boca-de-pato explicaste que tínhamos de fazer um intervalo. Mas que deveria continuar a tomar a pílula que me entregavas. Em Portugal só se vendia com prescrição médica e eu nem sonhava ir a um ginecologista. Uma miúda solteira admitir que já não era virgem e que fazia sexo?! Na altura só se era maior aos 21, mas eu fui emancipada pelo meu pai aos 18. Nesse ano.
A 1ª vez que fiquei de férias num hotel. O Vasco da Gama parecia-me um luxo. Pedir pequeno-almoço no quarto e ir para a praia sozinha, no toldo reservado. Vocês apareciam perto da hora de almoço. Estavas orgulhoso do bebé que ia nascer. A tua filha tinha a minha idade.
Junto à piscina, entre cigarros e muitos copos, ia descobrindo amigos teus do mundo da publicidade que apareciam acompanhados com famílias ou afins. Que só conhecia a preto e branco da televisão: Artur Agostinho, Raul Solnado. Ou dos livros: Alves Redol, Alexandre O’Neill. Outros desconhecia: Luís Lagrifa, Galveias Rodrigues. No Portugal cinzento daquela altura tudo aquilo parecia-me um mundo de faz-de-conta. Viram a série Mad Men? Pois à escala portuguesa foi o que comecei a vivenciar. A cores. Foi o que me fascinou em ti.
Gostavas de me provocar em frente aos outros ‘O Carlos Mendes foi namorado da Isabel.’ ‘Foi a minha 1ª paixão, foi! E?’. Nesse ano o Carlos tinha vencido o festival RTP da Canção com ‘Verão’. Em Abril fui ver a Eurovisão com os vizinhos de Lisboa que tinham uma Estalagem em Carcavelos. Todos a gozarem comigo. O namoro mais inocente da minha vida.
No final de 1967 encontrei o Carlos na pastelaria Mexicana. Fiquei tão satisfeita quando me reconheceu. O pai tinha sido o meu pediatra, as famílias conheciam-se. Nem queria acreditar quando me convidou para sair à noite. ‘Podes deixar o meu irmão Luís no cinema Condes?’ Nem tive lata de dizer que ele vinha de pau de cabeleira (*). Fomos ao Hot Clube, ainda vazio, gostei muito de falar com o Luiz Villas-Boas e de ouvir jazz. Sentados num canto demos o 1º beijo. Lembro que tremi. ‘Tens frio?’ À uma da manhã lá fui dar com o meu irmão sentado nas escadas, dentro do prédio, para entrarmos os dois juntos. Só tínhamos umas chaves…
Uns dias depois o Carlos combinou ir-me buscar a casa da Ana Maria Bobone, na Avenida João XXI, para irmos à boite ‘O Caruncho’ (ou O Calhambeque?). Era a festa dos 17 anos da Ana, tínhamos andado juntas na primária e as nossas Mães faziam muita questão naquela amizade. Gostava da Ana mas eu fazia muita cerimónia naquela família, sentia-me muito pouco à vontade. Imaginam a empregada de farda preta e avental com bordado inglês: ‘O seu irmão e uns amigos já chegaram para vir buscar a menina’. E lá entram o Carlos, o Manel Farinha (o meu querido colega no ISLA), nem sei quem mais. De jeans, blusões de cabedal. Os Sheiks eram super conhecidos em Lisboa e era óbvio que nenhum era meu irmão… A Ana a oferecer salgados, doces, de beber e eu só queria fugir dali. Desci pelas escadas para poder trocar o vestido de veludo por um de malha curto, cor de rosa, que tinha comprado na boutique Tara. Dessa noite só me recordo que bebi e dancei muito. Até às tantas.
No dia seguinte a minha Mãe a querer saber detalhes da festa em casa da Ana. Quem estava, o que tinham servido, como estavam vestidos. Ao fim de quase uma hora, sentadas na cozinha, eu a dourar a história. ‘Estava muito divertido! Chegou tarde’. ‘Vieram trazer-me’. ‘Gosto das suas histórias inventadas’. A Mãe da Ana já tinha telefonado. ‘O Carlos é mais velho que a menina. Fica proibida dessas saídas’. Devem ter-lhe telefonado porque nunca mais me procurou. Também passei a ser persona non grata em casa da Ana, como seria de esperar.
Há uns 10 anos, reencontrei o Carlos no Largo do Rato. Falámos muito: surpresa do meu tempo da política onde conheci o seu irmão Abílio, da revista Élan com a Ana Maria Lucas, do bom amigo comum João Tito de Morais. Alguém perguntou: ‘Ah conhecem-se? ‘A Isabel foi minha namorada’. Saiu uma daquelas minhas gargalhadas. Aos 17 que namoro tão inocente. E afinal só temos 3 anos de diferença! Fui depois várias vezes ao bar Buédalouco que tinha com a Helena no Bairro Alto. Gostei muito de o ouvir tocar e cantar com o filho João.
Nota *: Sabem o que é um ‘pau de cabeleira’? É quem acompanhava os namorados. Oficialmente tinha o objectivo de manter as distâncias. A partir dos 10 anos aprendi a fingir que adormecia na parte de trás do carro. E no Alto da Serafina abria um pouco os olhos para ver o que se passava, enquanto continuava a ‘ressonar’.