Candidata a deputada por Aveiro. 1975: primeiras eleições livres.
O fim de uma utopia. O nascer de novos sonhos de democracia.
A seguir ao Congresso do PS em dez. 74 fui chamada à reunião da direcção em S. Pedro de Alcântara. O João Tito de Morais: ‘Borges, temos confiança em ti’. A recusa do Manuel Serra em participar no Secretariado era sinal de que estava de saída. Fui escrever a carta de demissão que fiz questão de entregar em mão ao Lopes Cardoso ‘Pensou bem no que está a fazer?’. Telefonei ao Victor Cunha Rêgo a avisar da minha decisão. Dias antes tinha-me dito: «A política é assim mesmo, suja. Ou convives com isso ou sais». Continuámos amigos, na cumplicidade de tempos em que se acreditava que todos os sonhos eram possíveis. Esse entusiasmo vital atingia tanto optimistas contagiantes como eu, como pessimistas realistas como o Victor.
Os meus amigos da ala esquerda do PS (Francisco Calheiros, Abílio Mendes, José Couto Nogueira, José Paulo Silva Graça, etc.) e conhecidos (do Movimento Socialista Popular, Manuel Serra, Rui Carneiro, etc.) já estavam a preparar a fundação da FSP e o convite foi irrecusável. Acreditava-se levar os “44% de militantes revolucionários, da classe trabalhadora” que tinham votado na lista ‘B’ no congresso do PS.
O meu fascínio pelos hippies de S. Francisco e pelo movimento de ‘Make Love, Not War’ traduzia-se pela admiração por Manuel Serra, o líder civil do Golpe de Beja, uma das tentativas falhadas de derrubar Salazar, em dez. 1961, em que estiveram envolvidos, pela 1ª vez, civis e militares - estes sob o comando de Varela Gomes. E também pelos revolucionários Edmundo Pedro, Fernando Marques e Palma Inácio. Famoso pelo desvio do avião da TAP em nov. 1961, para lançar panfletos sobre Lisboa contra o regime e pelo roubo da dependência do banco de Portugal da Figueira da Foz.
A minha sensação é que de repente se tinha passado uma esponja no passado e só havia futuro. Uma utopia possível. Já estávamos a exercer vários direitos adquiridos: manifestações na rua, falar e escrever livremente, direitos trabalhistas.
Em 1975 queríamos avançar e conquistar o direito de, em liberdade, votar e escolher quem nos representa e nos governa. Para a FSP a meta era concorrer como partido independente às eleições para a Assembleia Constituinte formada com o objectivo único de elaborar a nova Constituição. O tal meu arquivo de cartão verde cumpriu as suas funções: conseguimos reunir os 250 nomes necessários para a lista de deputados. Fui candidata no círculo de Aveiro, lá no fundo da lista. Já que gosto tanto de doces de ovos…
A 11.Março.75 estava a almoçar em casa da minha Mãe quando começámos a ouvir helicópteros. Correria para a FSP, já perto da meia-noite amuei ‘Faço anos hoje, porra, nem cheguei a comer o bolo!’. Isqueiros a fazer de velas, os parabéns e montes de abraços e beijos.
Nessa noite conheci Frei Bento Domingues, amigo do Manuel Serra que era católico. Já tinha ouvido falar do seu papel no 1º encontro dos cristãos para o socialismo. Na Capela do Rato tinha convivido com o padre Alberto, o facto é que fiquei fascinada com este frade dominicano «Todos os homens e mulheres são sexuais e o episcopado também nasceu de famílias. O problema é descobrir o papel da sexualidade na vida humana. O sexo não é só procriação. A relação entre um homem e uma mulher não é só para ter filhos. O prazer é essencial à vida humana.»
A tentativa de golpe de 11 de março conduziu de forma acelerada ao fim da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado, à criação do Conselho da Revolução e ao aumento do poder do MFA. A boa notícia é que a 11.04.75 foi assinada 1ª Plataforma de Acordo Constitucional entre o MFA e os partidos PS, PPD, CDS, PCP, MDP/CDE e FSP.
A má notícia é que o querido e estimado Fernão Ornelas, cunhado da minha tia Ângela, tinha sido preso por ser administrador do Banco Pinto & Sotto Mayor. O ‘tio’ de que tanto admirei a coragem de, ao deixar o cargo de Presidente da Câmara Municipal do Funchal, em 1948 ter vindo viver para Lisboa; conseguiu anular o 1º casamento e assumiu a relação incestuosa com a jovem familiar Madalena; já casados nasceu a Isabel, uns meses depois de mim. Nunca se recuperou do tempo em Caxias e acabou por falecer em Maio de 1978, com 69 anos.
A campanha eleitoral arrancou a 2 de abril com grande entusiasmo, mas também uma intensa disputa. A polarização era evidente entre, dum lado, 9 partidos (PS, PCP, MDP/CDE, FSP, MES, UDP, FEC, PUP, LCI) e do outro 3 (PPD, CDS, PPM). Ainda houve 3 que ficaram fora da corrida eleitoral - o PDC, o MRPP e a AOC – por a sua actividade política ter sido suspensa pelo Conselho da Revolução.
Um dia antes das 9h quando entrei na Rua da Madalena o telefone (preto e fixo, claro) «Isso vai explodir, tem aí uma bomba armada para as 9h15». Peguei na mala, na caixa de cartão do arquivo verde (de novo…), nuns papéis, corri pelas escadas e fiquei especada do outro lado da rua, nem uma cabine de telefone à vista. Fui até ao CDS no Largo do Caldas e entrei a gritar para chamarem a polícia que daí a 5 minutos ia explodir uma bomba ali em frente. Ainda me lembro da cara de quem estava na recepção. Falso alarme.
A 25 de Abril de 1975 foi uma festa participar nas primeiras eleições verdadeiramente livres, por sufrágio direto e universal. Para a história a enorme percentagem de votos (91,6%) e a vitória do PS com 37.9% (116 deputados em 250), seguido pelo PPD, com 26,4% (81 deputados). A seguir o PCP (12%, 30 deputados), o MDP/CDE (4,1%, 5 deputados). Apesar da difícil conjuntura que atravessara na sequência do 11 de Março, o CDS ficou em 4.º lugar (16 deputados). A UDP com 1 deputado. Os defensores do voto em branco foram os derrotados.
Celebrei a vitória do PS. Muitos amigos foram para a Assembleia da República. Assim como muitos políticos que admirava do PPD, CDS e do PC. Foi a altura de sair da FSP. E de fazer a minha revolução pessoal. Fora de partidos.