“É verdade que o Fernando é o pai da Sofia?” Disparou a minha Mãe, muito nervosa, mal chegámos a casa. Depois de um dia de trabalho, de ter ido buscar a minha filha ao infantário tive de apelar a toda a calma. Desde que tinha recuperado da cirurgia a um aneurisma cerebral em 1966 tínhamos muito cuidado. Bom, a senhora sempre tinha evitado confrontos e lidar com conflitos. Há anos que bastava dizer ‘Ai a minha cabeça!’ para esfriar logo qualquer hipótese de discussão.
“É sim. Porquê?” Dois anos antes eu tinha assumido ser mãe solteira. No passaporte inglês constava o registo feito em Londres de Sophia Borges só com o meu nome como mãe, como permitido pela legislação britânica. Em Portugal na altura seria filha de pai incógnito. Eu encolhia os ombros quando perguntavam quem era o pai. Nunca disse ‘Não sei’, mas creio que foi o que assumiram. Era conhecida por ‘namoradeira’, mesmo depois de ser mãe.
O facto é que nesse dia a vizinha do r/c tinha vindo contar à minha Mãe. O genro era financeiro na agência de publicidade do Fernando. Na Êxito parece que essa verdade era conhecida há algum tempo e tema de conversas.
“Com quem é que já falou?” “Ninguém, estive à sua espera. Nem queria acreditar!”
Fui de táxi para a Quinta das Mouras. Nem me lembro da conversa com a minha irmã. Só recordo o alívio por deixar de mentir. E o sentir-me tão culpada por essa traição.
Ligou para a agência. “Vou aí ter contigo, espera por mim’. O Fernando quando viu as duas a entrarmos no gabinete, abriu a gaveta e tomou um comprimido para o coração. “É verdade que a Sofia é tua filha?” “Pode ser”. Nem falei nada. A discussão ficou muito acesa. Lembro que tentei acalmar os dois. Que estavam a descer as escadas de caracol entre os dois andares da Êxito. Era de noite. O normal era ainda estarem pessoas a trabalhar. Se estava alguém, nem apareceram.
Deixámos de nos falar durante vários anos. Em casa a relação com a minha Mãe passou a ser silenciosa. Triste.
Poucos meses depois aceitei logo o convite da tia Ângela para ir trabalhar para a Madeira. A substituir o chefe de escritório na empresa da família, de exportação de vimes. Tinha direito a um apartamento pequeno, mas suficiente para a minha filha e a Isabel. Irmã da cunhada Teresa, veio connosco para ajudar a tomar conta da Sofia. O prédio D. Carlos, também da família, parecia uma república: viviam lá essa tia com o filho mais novo, do conjunto João Paulo o Sérgio e o Ângelo com as mulheres e mais estrangeiros nos outros apartamentos.