1975. Sonhos de nova primavera
Afinal a democracia é como um tango? 2 passos para a frente e 1 para trás?
A minha sensação é que de repente se tinha passado uma esponja no passado e só havia futuro. Uma utopia possível. Já estávamos a exercer vários direitos adquiridos: manifestações na rua, falar e escrever livremente, direitos trabalhistas.
Em 1975 queríamos avançar e conquistar o direito de, em liberdade, votar e escolher quem nos representa e nos governa. Para a FSP a meta era concorrer como partido independente às eleições para a Assembleia Constituinte formada com o objectivo único de elaborar a nova Constituição. O tal meu arquivo verde cumpriu as suas funções: conseguimos reunir os 250 nomes necessários para a lista de deputados. Fui candidata no círculo de Aveiro, lá no fundo da lista. Já que gosto tanto de doces de ovos…
A 11.Março.75 estava a almoçar em casa da minha Mãe quando começámos a ouvir helicópteros. Correria para a FSP, já perto da meia-noite amuei ‘Faço anos hoje, porra, nem cheguei a comer o bolo!’. Isqueiros a fazer de velas, os parabéns e montes de abraços e beijos.
Nessa altura conheci Frei Bento Domingues, amigo do Manuel Serra que era católico. Já tinha ouvido falar do seu papel no 1º encontro dos cristãos para o socialismo. Na Capela do Rato tinha convivido com o padre Alberto, o facto é que fiquei fascinada com este frade dominicano «Todos os homens e mulheres são sexuais e o episcopado também nasceu de famílias. O problema é descobrir o papel da sexualidade na vida humana. O sexo não é só procriação. A relação entre um homem e uma mulher não é só para ter filhos. O prazer é essencial à vida humana.»
A tentativa de golpe de 11 de março conduziu de forma acelerada ao fim da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado, à criação do Conselho da Revolução e ao aumento do poder do MFA. A boa notícia é que a 11.04.75 foi assinada 1ª Plataforma de Acordo Constitucional entre o MFA e os partidos PS, PPD, CDS, PCP, MDP/CDE e FSP.
A campanha eleitoral arrancou a 2 de abril com grande entusiasmo, mas também uma intensa disputa. A polarização era evidente entre, dum lado, 9 partidos (PS, PCP, MDP/CDE, FSP, MES, UDP, FEC, PUP, LCI) e do outro 3 (PPD, CDS, PPM). Ainda houve 3 que ficaram fora da corrida eleitoral - o PDC, o MRPP e a AOC – por a sua actividade política ter sido suspensa pelo Conselho da Revolução.
Um dia antes das 9h quando entrei na Rua da Madalena o telefone ‘Isso vai explodir, tem aí uma bomba armada para as 9h15’. Peguei na mala, no arquivo verde (de novo…), uns papéis e fiquei especada do outro lado da rua, nem uma cabine de telefone à vista. Fui até ao CDS no Largo do Caldas e entrei a gritar para chamarem a polícia que daí a 5 minutos ia explodir uma bomba ali em frente. Ainda me lembro da cara de quem estava na recepção.
A 25 de Abril de 1975 foi uma festa participar nas primeiras eleições verdadeiramente livres, por sufrágio direto e universal. Para a história a enorme percentagem de votos (91,6%) e a vitória do PS com 37.9% (116 deputados em 250), seguido pelo PPD, como 26,4% (81 deputados). Os derrotados foram o PCP (12%, 30 deputados), o MDP/CDE (4,1%, 5 deputados) e os defensores do voto em branco. Apesar da difícil conjuntura que atravessara na sequência do 11 de Março, o CDS ficou em 4.º lugar (16 deputados). A UDP com 1 deputado.
Muitos saímos da FSP. Parecia que os partidos que defendiam um “processo democrático” tinham conseguido legitimar parte das suas ações através das eleições, ao invés dos partidos que defendiam um “processo revolucionário”. Muito ainda ia acontecer nesse Verão de 1975.