A seguir ao Congresso do PS em dez. 74 fui chamada a reunião da direcção em S. Pedro de Alcântara. O João Tito de Morais: ‘Borges, temos confiança em ti’. A recusa do Manuel Serra em participar no Secretariado era sinal de que estava de saída. Fui escrever a carta de demissão que fiz questão de entregar em mão ao Lopes Cardoso ‘Pensou bem no que está a fazer?’. Telefonei ao Victor Cunha Rêgo a avisar da minha decisão. Dias antes tinha-me dito: «A política é assim mesmo, suja. Ou convives com isso ou sais». Continuámos amigos, na cumplicidade de tempos em que se acreditava que todos os sonhos eram possíveis. Esse entusiasmo vital atingia tanto optimistas contagiantes como eu, como pessimistas realistas como o Victor.
Poucos dias antes do Natal, a minha Mãe: ‘Chegou essa cesta para si’. Só com um cartão da Charcutaria do Rato. Tinhas enviado tudo o que sabias que eu gostava: vinho tinto, queijos da serra e de azeitão, enchidos, batata palha, doces de ovos, chocolates, etc. Foi o presente de despedida? Nesse fim do ano percebemos que o nosso caso tinha sido intenso e bonito, mas estava a chegar ao fim. Mal sabias o que fazer comigo. Modos de viver muito diferentes.
Os meus amigos (da ala esquerda do PS - Xis Calheiros, Abílio Mendes, José Couto Nogueira, José Paulo Silva Graça, etc.) e conhecidos (do Movimento Socialista Popular, Manuel Serra, Rui Carneiro, etc.) já estavam a preparar a fundação da FSP e o convite foi irrecusável. Acreditava-se levar os “44% de militantes revolucionários, da classe trabalhadora” que tinham votado na lista ‘B’ no congresso do PS.
O meu fascínio pelos hippies de S. Francisco e pelo movimento de ‘Make Love, Not War’ traduzia-se pela admiração por Manuel Serra, o líder civil do Golpe de Beja, uma das tentativas falhadas de derrubar Salazar, em dez. 1961, em que estiveram envolvidos, pela 1ª vez, civis e militares - estes sob o comando de Varela Gomes. E também pelos revolucionários Edmundo Pedro, Fernando Marques e Palma Inácio. Famoso pelo desvio do avião da TAP em nov. 1961, para lançar panfletos sobre Lisboa contra o regime e pelo roubo da dependência do banco de Portugal da Figueira da Foz.
Com quase 25 anos, eu já tinha participado em 1969 na CEUD a favor do fim da guerra colonial, em 1970 tinha sido mãe solteira em Londres, entre 72-74 vivenciado a emancipação sexual na conservadora ilha da Madeira, andado de calças bocas-de-sino e sandálias de plataforma, praticado nudismo no Meco e na praia 19.
Era da geração do sonho do ‘Flower Power’ cair na rua e para todos. Acreditava estar a viver a possibilidade da revolução cultural, da luta pela liberdade para todos, por uma sociedade mais justa. O culto ao prazer livre, físico, sexual ou intelectual. Quando se dizia ‘está a acontecer’ era um facto. Com todas as suas alienações e os seus excessos.